macaco de rabo pelado
Sim, imodéstia ou velhice à parte, estava mesmo à espera que aparecesse alguma coisa como a que é transmitida pela manchete do DN de hoje e pelos dois primeiros parágrafos do seu editorial (atenção aos sublinhados). Porque, como muitos outros, detesto que me tomem por parvo e como não estou disponível para engolir docemente todas as interpretações erróneas e falsificações políticas que nos queiram impingir, aqui ficam cinco observações sobre isto.
1. Começo por esclarecer previamente que a mim não me passa pela cabeça que não haja um certo ou importante divórcio entre os cidadãos e os partidos mas sobre isto, para além da agora impossível evocação de complexos factores sociológicos e políticos, o que tenho para dizer é que, se assim é, para isso também tem contribuído em grande medida e poderosamente a comunicação social. Não querendo cansar os leitores com exemplos exaustivos nem absolver os cidadãos da sua própria parte de responsabilidades, basta lembrar que os cidadãos há décadas que são submetidos a generalizações abusivas e viciosas sobre «os partidos» e que são aos milhares os exemplos em como a comunicação social, estando na verdade a pensar no PS e PSD, escreve ou diz «os partidos», a tal ponto que não poucas vezes lhes dei a piada de que, para quem está sempre ralado com o espaço, a expressão «os partidos» (11) tem mais caracteres do que a de «PS e PSD» (8).
2. Entretanto, o que acontece é que o DN desculpará mas li atentamente tudo o que publica sobre a sondagem da Católica e nela não encontro nada que justifique quer a manchete quer ainda mesmo o que se afirma no ínicio do editorial. Que 24% afirme que neste momento não saberia em quem votar é coisa que não é de espantar e é um número que está farto de aparecer em sondagens do passado (até à beira de votações !), além de que aqui também pode pesar o facto de ainda estar muito presente a memória da recente governação do PS. Que uma grande maioria não veja ou descortine que outros partidos fariam melhor que os que governam também não me causa espanto porque, em perto de 30 anos, nunca vi uma sondagem que os inquiridos dissessem que algum partido faria melhor que o governo em funções.
3. Depois há uma coisa que o autor do editorial do DN obviamente ignora e que é aquilo que, em ciência política ou sociologia eleitoral, se costuma chamar de «ambivalência» dos eleitores ou cidadãos. Descobri mais claramente esse problema quando ao ler um estudo, coordenado por André Freire e outros, sobre as legislativas de 2002 (edição do I.C.S) descobri a páginas tantas que uma percentagem elevadíssima (70 ou 80%) dos inquiridos achava que «os partidos eram todos iguais». E, nessa altura, pensei ingenuamente : «mas este estudo vai ser um desastre porque, se para tanta gente os partidos são todos iguais, então nas dezenas de outras perguntas do inquérito eles vão ou não responder ou arrasar toda a gente pela mesma bitola». Mas qual quê ! Nas outras perguntas, estes 70 ou 80% que achavam que os partidos eram todos iguais mostravam minuciosamente as suas distintas preferências e opiniões sobre os partidos e as suas diferenças, por exemplo se estavam mais à esquerda ou mais à direita, etc.,etc., e sobre os líderes partidários.
4. Quase a terminar, o mais grave, desonesto, intolerável e insuportável é esta tentativa do DN de, fechando os olhos e os ouvidos ao que se viu e ouviu nas manifestações de 15 de Setembro, nos querer espantosamente convencer que «mais que um ataque ao governo» elas foram «um grande cartão amarelo (quase vermelho) a toda a classe política». [«classe política»= categoria que, anote-se, os comunistas sempre rejeitaram e em que jamais aceitaram ser integrados].
5. Remate final: pode o DN dar o destaque que quiser ao «divórcio entre eleitores e partidos» e fazer o vergonhoso frete ao PSD e CDS (e outros apoiantes da troika...) de os tirar da mira das manifestações que uma coisa é certa: é que, na sondagem a que se refere há quem desça, quem não suba e quem suba. É deste guardanapo que se devem servir.