Quatro apontamentos contra
interpretações erróneas
Compartilhando naturalmente do desgosto, perplexidade e sentimento de injustiça que ainda marcarão o estado de espírito de muitos comunistas e apoiantes da CDU;
Tendo em boa conta a análise já feita aqui;
Não considerando dispensável um exame crítico e autocrítico mais calmo e demorado dos factores nacionais e dos factores locais (e do seu complexo entrelaçamento) que terão estado na origem do insatisfatório resultado nacional da CDU (que já teve antecedentes históricos a que se seguiram posteriores recuperações e progressões) ;
Não pretendendo proceder a nenhuma avaliação global mas apenas contrariar de forma serena mas frontal algumas interpretações que considero profundamente erróneas e que têm tido larga circulação na comunicação social e nas redes sociais;
Atrevo-me a quatro modestos apontamentos que, a meu discutível ver, não podem estar ausentes de qualquer reflexão serena sobre os resultados da CDU no passado dia 1. A saber :
Começa por haver um aspecto crucial que não deve ser esquecido: é que em eleições autárquicas uma coisa são posições alcançadas ou conquistadas e outra é a influência eleitoral medida em votos e % nessas eleições.
E sobretudo é necessário recordar que, por exemplo e por absurdo, o PCP
até podia ser um grande partido com 20% uniformemente do Minho aos
Açores e, apesar disso, não teria nenhuma Câmara. Câmaras podem
perder-se, como agora me parece ter acontecido, por uma erosão geral da
influência eleitoral autárquica, mas também podem perder-se por mudanças
na arrumação dos resultados de outras forças. Aliás, no passado, a CDU
chegou a perder Câmaras tendo aumentado a votação.
Depois igualmente não deve ser esquecido que o PCP e as coligações em que participou, em caso absolutamente singular no panorama partidário nacional, sempre detiveram, desde 1976, um significativo número de Câmaras, por um lado, devido às suas assimetrias de influência eleitoral mas sobretudo porque nessas eleições tinham um assinalável diferencial positivo de votos e % por comparação com o seu resultado em legislativas (em regra, entre 2 a 3 pontos). Ou seja, como pelos resultados de legislativas o PCP conquistaria uma, duas ou três Câmaras consoante as épocas, isso quer dizer que o número de Câmaras normalmente obtidas, incluindo agora , se deve a que algumas dezenas de milhares de eleitores que nas legislativas votavam noutros partidos já nas autárquicas votavam CDU.
Ora, tirando casos particulares e excepções que sempre existem, o que ontem aconteceu foi uma importante erosão desse diferencial positivo que o PCP e a CDU tinham em autárquicas por comparação com legislativas que passou de cerca de 110 mil votos em 2013 para cerca de 43 mil votos agora. Mas este mesmo facto basta só por si para demonstrar como é pérfida a previsão que alguns fazem de que, na sequência deste seu resultado no passado domingo, o PCP caminhe para um mau resultado nas legislativas de 2019. É que, neste 1 de Outubro, o PCP teve mais 43 mil votos do que nas legislativas de 2015. Por causa das moscas (isto é, de confusões expressas no Facebook), por favor não se tresleia o que acabo de escrever : é que não estou a invocar um dado positivo para atenuar a gravidade do resultado da CDU, estou sim a demonstrar a falta de fundamento dos que, pelo resultado da CDU em 1 de Outubro, logo concluem por uma inevitável quebra em próximas legislativas. A isto pode acrescer o facto de nas eleições para as Assembleia Municipais - ou seja, o órgão mais imune a critérios de personalização e de chamado «voto útil», a CDU embora tendo perdido muitíssimos votos ter obtido ccerca de 520 mil votos (10,4%), ou seja mais 30 mil que para as CM.
Embora
não tenha meios de o provar (os votos não trazem foto nem biografia eleitoral), a minha inclinação é que essa erosão e,
por outro lado, a grande vitória do PS se devem a factores políticos de
ordem nacional, isto é, aquilo a que se poderia chamar uma «onda rosa»
de âmbito não tanto autárquico mas sobretudo nacional sustentada até parcialmente em
medidas positivas para os quais o PCP contribuiu mas que o PS
capitalizou de forma mais forte. Dito de outra forma e para que não
sobrem dúvidas, ao contrário do que comentadores de direita procurarão instilar, não creio mesmo nada que a quebra da CDU se fique a dever a qualquer desilusão no eleitorado mais estável do PCP com os resultados do envolvimento do PCP na solução política em vigor.
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Dito isto, que, repito mil vezes, não pretende ser uma avaliação global nem uma desvalorização de outros ângulos de análise, parece-me uma evidência que é depois de momentos de sombra ou mais baços que se torna mais imperativa a audácia de melhorar, resistir, lutar e construir, sempre movidos pelas nossas mais justas e inabaláveis convicções.
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Dito isto, que, repito mil vezes, não pretende ser uma avaliação global nem uma desvalorização de outros ângulos de análise, parece-me uma evidência que é depois de momentos de sombra ou mais baços que se torna mais imperativa a audácia de melhorar, resistir, lutar e construir, sempre movidos pelas nossas mais justas e inabaláveis convicções.
Concordo especialmente com o teor do ponto 4
ResponderEliminarO 4º parece-me um apontamento muito acertado.
ResponderEliminarJá agora, como foi possível o BE perder Salvaterra de Magos? Então, se o Bloco era tão bom e prometia tanto para este município, como é que tal foi possível?
ResponderEliminarA comunicação social dominante fala numa noite eleitoral para o Bloco muito boa. Subiram em todos os concelhos e perderam a única câmara onde presidiam. É fantástico e até mesmo extraordinário. O Bloco continua a ser uma espécie de estrelinha para esta comunicação social para quem a CDU é o pior inimigo.
È verdade! È deplorável e vergonhoso, como os vassalos da Mí(r)dia, defensora dos grandes interesses, conseguem a proeza, de Cantar grandes"vitórias"aos 3% do berloque e aos 2% do cds....Um Nojo!
EliminarConcordo com todos os pontos em análise,que são na minha opinião, uma bom começo para análise nas organizações no seio da CDU.
ResponderEliminarComento antes comentários. Parecia-me mais importante perceber a posição relativa da CDU em Salvaterra (3º), que ainda não há muito vencia aí as eleições. Para onde foi toda a influência? A influência era pessoal ou era do partido e de um projecto? Parece que era pessoal. Quando a pessoa respeitada sai, os partidos perdem os lugares. Como valorizar outros eleitos se as pessoas parecem não se rever nos projectos, mas sim nos autarcas cessantes que o chefiavam?
ResponderEliminarO mesmo se podia aplicar por exemplo em Constância ou na Amadora.
EliminarO 4º não colhe nnem com Cola-Cao. Vejamos o caso do Barreiro (Câmara Municipal).
ResponderEliminarComparando 2013 (troika) com 2017 ("onda rosa") o PSD+CDS subiram 1.200 votos, ou seja, 1200 pessoas que acham que os anos da troika foram um paraíso. Do lado do PS temos uma subida de 4000, ou seja 4000 pessoas que acham que os anos da troika foram um inferno e agora é que é um paraíso. O BE mantém a sua votação com subida de 357, ou seja imunes à onda rosa. Finalmente, os eleitores da CDU, aqueles cuja consistência política se assemelha à gelatina, permeáveis à onda rosa, que descem 2932 votos. Assim sendo, e utilizando apenas o seu quadro referencial, começo a entender porque razão a CDU no Barreiro, infelizmente, vai descendo. Porque perdeu um terço do seu slogan - a competência. E a sua análise é um exemplo perfeito disso. O PCP faz jus, para o bem e para o mal, à última letra "Português", o que significa encontrar todo o tipo de desculpas para as broncas que se fazem. É penoso assistir ao desfilar de desculpas externas para os erros internos. Acha mesmo que se perdeu o Barreiro por causa da onda rosa? os vereadores, presidente da CM não têm nada a ver com o assunto? são os eleitores da CDU aqueles que flutuam? Dá-lhes assim tão pouco crédito? Considera que a subida da direita no Barreiro se deve à "onda rosa"?
Ponto 3: Basta comparar o diferencial autarquias-legislativas na CDU para ver como o ponto 3 cai por terra, ou melhor, dando crédito a essa tese, pode-se inferir que a queda em 2019 vai ser mesmo muito grande. De facto, a diferença entre um e outro tipo de eleições é da ordem de 94.000, 104.000 votos. Autarquias em grande, legislativa menos. Infere-se daqui que se confia local e nem tanto nacional? Ao se diminuir esse diferencial retiram-se duas conclusões, ou os dois tipos de eleição vão convergir ou, mantendo a tendência diferencial, prevê-se uma queda de 40.000 votos nas próximas. Em qualquer dos casos, o ponto 3 não colhe grande coisa. Repito: encontre-se a causa interna. Exemplo real: Num concelho alentejano, este ano apareceram mais 1400 eleitores, a CDU conseguiu perder 130 relativamente a 130. Não captou nenhum dos novos e perdeu dos antigo. questionando-se a candidatura com "mais 1400 votos e a CDU perdeu 130, o que falhou?" a resposta remeteu para um post onde se apontava o ambiente de guerra entre as duas candidaturas PS/independente de PS. Ou seja, ausência de juízo crítico, de capacidade de análise, de leitura dos anseios das populações. o problema é, é sempre, exterior. Pergunto: com este tipo de atitude, como seria se tivesse o poder?
ResponderEliminarConcordo que, tal como a grande vitória do PS, a quebra da CDU - clara, sem dúvida, mas muito menor do que a diminuição do número de presidências de câmara sugere - se deve sobretudo a factores políticos de ordem nacional, e não propriamente a uma súbita quebra de qualidade da gestão autárquica dos comunistas e seus aliados. Para comprovar isto, vale a pena comparar, distrito a distrito, os resultados das autárquicas de 2017 com os das autárquicas de 2013, em distritos em que a CDU não dispunha de presidências de câmara (em geral com não mais que 2 vereadores eleitos no conjunto das câmaras do distrito). Vejamos alguns exemplos: entre 2013 e 2017, a CDU desceu de 8.030 votos para 6.416 no distrito de Viana do Castelo, desceu de 24.563 votos para 20.999 no distrito de Braga, desceu de 4.253 votos para 3.365 no distrito de Vila Real, desceu de 3.265 votos para 2.362 no distrito da Guarda, etc.
ResponderEliminarNote-se também que, no distrito de Faro - em que havia uma presidência de câmara única, em Silves -, a CDU desceu de 20.919 votos para 19.189, não escapando à regra geral. Contudo, os factores locais sobrepuserem-se, de forma notável, aos factores nacionais nessa câmara CDU, com o número de votos a passar de 5.495 para 8.177, o que transformou a anterior maioria relativa numa confortável maioria absoluta.
É também importante comparar directamente os resultados destas autárquicas de 2017 com os das autárquicas de 2009, após eleições legislativas conducentes a um governo PS que, embora minoritário, manteve os "tiques" dos tempos da maioria absoluta antes das eleições: entre 2009 e 2017, a CDU poucos votos perdeu (descendo muito ligeiramente a percentagem de votos, de 9,75% % para 9,45 %), embora tenha perdido 4 presidências de câmara, numa descida de 28 para 24. A quebra mais significativa entre 2013 e 2017, de que tanto se vem falando, resulta essencialmente da considerável subida entre 2009 e 2013, de 28 para 34 presidências de câmara, com a percentagem de votos a passar de 9,75 % para 11,06 % [Note-se que, na comparação correspondente, o Bloco subiu apenas de 3.02 % para 3.29 % entre 2009 e 2017, mas perdendo a única presidência de câmara de que dispunha. A subida entre 2013 e 2017 de que os bloquistas hoje se orgulham resulta essencialmente da considerável descida, de 3,02 % para 2,42 % , nas autárquicas de 2013.]
Vale também a pena comparar os resultados destas autárquicas de 2017 com os das legislativas mais recentes, que tiveram lugar em 2015: entre 2015 e 2017, a CDU ganhou 43.209 votos, subindo a percentagem de votos de 8.25 % para 9.45 % [Note-se que, na comparação correspondente, o Bloco perdeu 380.865 votos, descendo acentuadamente a percentagem de votos, de 10,15 % para 3,29 %.]
A. Correia
Em suma: é bem mais positivo DESCER (9.75->9.45) do que SUBIR (3.02->3.29). E note, para as assembleias de freguesia, onde se traduz o real envolvimento dos candidatos CDU com as populações, e onde até se desfazem ligações partidárias nacionais, o número de votos tem vindo a descer assustadoramente: 2009 - 606400, 2013 - 552690 e 2017 - 489078 (com nº total de eleitores a subir e a descer, logo imune a subidas e descidas percentuais). Se isto não assusta, a erosão na adesão e confiança das populações nos rostos/candidatos CDU, não sei o que assusta.
EliminarNuno Silvestre
errata: Assembleias de Freguesia
Eliminar2009 : 606.004
2013 : 596.324
2017 : 529.811
Nuno Silvestre
Desde o início do século, a percentagem de votos da CDU em eleições legislativas - que não passou de 6,97 % em 2002 - SUBIU sempre de eleição para eleição: 7,56 % em 2005; 7,86 % em 2009; 7,91 % em 2011; 8,25 % em 2015. Esta teimosa subida de percentagem traduziu-se por um acréscimo de 1,28 pontos percentuais ao fim de uma dúzia de anos; apesar de ser um subida ligeira, num eleitorado essencialmente estável, incomoda muita gente que profetizava (mais ou menos convictamente) e desejava (mais ou menos ardentemente) um declínio dos comunistas e seus aliados.
ResponderEliminarEntretanto, as percentagens dos actuais parceiros da CDU na Geringonça andaram para cima e para baixo em eleições legislativas, num impressionante sobe-e-desce:
- O PS subiu para 45,05 % em 2005 (conquistando a maioria absoluta), desceu para 36,55 % em 2009 (pelo que teve de se contentar com uma maioria relativa), continuou a descer até 28,06 % em 2011 (perdendo a maioria para a direita); voltou a subir em 2015 - depois de quatro penosos anos de governação PSD/CDS - mas sem ir além de 32,31 %, pelo que Costa, sem ter atingido sequer uma maioria relativa, só conseguiu chegar ao cargo de primeiro-ministro depois de negociadas as "posições conjuntas" que definem a Geringonça.
- O BE subiu para 6,38 % em 2005, continuou a subir até 9,82 % em 2009, desceu abruptamente para 5,17 % em 2011 e voltou a subir em 2015, atingindo 10,19 % (a sua melhor percentagem de sempre, mas com menos eleitores que em 2009).
A. Correia
PS -
a) A quebra eleitoral da CDU nas autárquicas do passado dia 1 deveu-se sobretudo à popularidade do actual governo PS, ainda capaz de suscitar grandes esperanças entre eleitores tradicionais do PS em legislativas mas que, em autárquicas recentes, souberam optar pela CDU, em certa medida para apresentar ao PS um merecido "cartão amarelo": é por isso que a quebra - registada tanto nas votações para câmaras municipais como nas que dizem respeito a assembleias municipais e assembleias de freguesia - acontece de norte a sul do país, apanhando desde autarquias em que a CDU tinha maioria absoluta até outras em que não elegeu um vereador sequer (no distrito da Guarda, p. ex., a CDU passou de 3525 eleitores para apenas 2550, numa quebra de 28 %).
b) No caso do BE, a volatilidade da votação em legislativas - com significativas transferências de votos face a PS e PSD/CDS - e a continuada quase-nulidade da votação em autárquicas - zero câmaras com 3,29 % dos votos, zero freguesias com 3,28 % dos votos -, dezoito anos depois do nascimento do partido, deveriam motivar uma séria reflexão por parte dos militantes bloquistas.