21 março 2015

Caso Sócrates

Eu sei que vai parecer
muito mal mas não posso

deixar de escrever isto

 
Há alturas assim: uma pessoa sabe que vai ser mal interpretada, que talvez não falte mesmo alguém que venha dizer que «um comunista escreveu em defesa de Sócrates» e sabe-se lá mais o quê. Mas tentemos entendermo-nos: como provavelmente a maioria dos cidadãos, eu também tenho um fortíssimo presentimento sobre a culpabilidade de Sócrates (sobre cujo carácter e personalidade sempre tive as maiores reservas) embora tenha os meus temores quanto à possibilidade de fazer prova - o que é uma coisa diferente - de todas as acusações que lhe são movidas. Mais: eu até compreendo que muitos cidadãos se regozijem por a Relação no seu acórdão ter vindo subscrever provérbios populares que fazem parte das conversas de muitos de nós nos cafés e transportes.

Dito isto, que não me salvará de nada, o que eu também não posso deixar de dizer é que li suficientes citações do acórdão para me parecer que ele adopta discutivelmente argumentos e observações de senso comum e se aproxima demasiadamente de  uma pré-sentença final, o que não me parece correcto no âmbito do que devia ser a simples apreciação de um recurso sobre a manutenção ou não das penas de coacção aplicadas a José Sócrates (e que, a meu atrevido ver, não precisa de 60 páginas !).

Dir-se-á que o advogado de José Sócrates provavelmente terá escrito um recurso atrevido que estava mesmo a pedi-las mas o ponto é que os juízes da Relação, a meu ver, não têm que responder, taco a taco, ao estilo e tom dos advogados de defesa até porque, legal e institucionalmente,  não são a parte contrária (essa está confiada ao Ministério Público).

Sou, como tenho repetido vezes sem conta,  apenas um ex-, muito antigo e fracassado estudante de Direito mas isso não me proibe de confessar que, pelo menos desde há aí uns 20 anos, anoto com preocupação e espanto uma certa quebra de contenção, de serenidade, de frieza, de rigor, de gravitas e até de bom-senso em numerosas peças jurídicas.

E nunca me esquecerei do momento em que acordei para este problema. Foi há muito tempo, estava para se decidir se Leonor Beleza no processo do sangue contaminado ia ou não julgamento e então ela e os seus amigos (com Proença de Carvalho e Mário Soares) organizaram no Altis uma sessão pública de solidariedade com ela que representava sem margem para dúvidas uma inaceitável e condenável pressão sobre os órgãos judiciais.

O problema é que, a seguir, eu vi um juiz, pessoa aliás respeitadíssima e prestigiada e democrata de alto valor, no acórdão  que lhe coube redigir  a gastar parágrafos a polemizar politicamente com os promotores da sessão de solidariedade a Leonor de Beleza, o que de, todo em todo, me pareceu juridicamente impróprio e deslocado naquela sede.

E, só para terminar, esclareço que o meu medo maior é que certas frases, argumentos e juízos usados nesta acórdão da Relação possam ter fácil êxito na opinião pública mas acabem por não ajudar ao real apuramento da verdade e à rigorosa realização da justiça que todos desejamos.


4 comentários:

  1. Em vez de se entrar por atitudes justicialistas ou na crença de que se pode ter caçado um dos maus, um sentimento acrescido por não se apreciar politicamente o homem, Justiça era um sítio onde a esquerda se devia juntar. É demasiado preocupante a atitude mental e cultural e o perfil de quem pertence ao sector.

    ResponderEliminar
  2. O objectivo é claro e é esse que referes: induzir na 'opinião pública' o sentido da sentença. E está conseguido, não haja dúvidas!

    ResponderEliminar
  3. assusta-me que estas "fugas de informação" anunciem uma acusação com poucas provas...

    ResponderEliminar