25 setembro 2014

Tentando furar o nevoeiro

Três apontamentos sobre
um artigo de André Freire


O por mim estimado Prof. André Freire deu ontem à estampa no Público o artigo de opinião com o título acima, do qual, mesmo consideradas as divergências de opinião que em diversos pontos nos separam ao lado de importantes concordâncias, só posso começar por dizer que está a anos-luz das superficialidades, embustes e sofismas que povoam o discurso dos protagonistas político-partidários da chamada «reforma» do sistema eleitoral.

Eu bem podia, por razões tácticas, limitar-me a registar com apreço a vigorosa defesa da proporcionalidade, a dura crítica à redução do número de deputados e até a admissão do efeito «bipartidisante» de círculos uninominais mesmo que haja um círculo nacional de compensação  que constam do artigo do Prof. André Freire.
Mas entendo que é mais proveitoso para um aprofundamento sério deste debate que incida antes sobre certos pontos sustentados pelo Prof. André Freire que me parecem mais obscuros, duvidosos ou erróneos. Assim:

O Prof. André Freire, contra os que pretendem enfraquecer a proporcionalidade, sustenta a dado passo que (sublinhados meus) « Portugal precisa, isso sim, de medidas de que estimulem a governabilidade sem comprimir a proporcionalidade (como a moção de censura construtiva;  «prémios» à cooperação entre partidos). Por exemplo, as «listas aparentadas» (os partidos declaram-se coligados sem fazerem listas conjuntas)  e a transformação de votos em mandatos é feita para o conjunto dos «aparentados», incrementando assim os seus lugares no Parlamento».
Mas, face a isto, eu que não sou licenciado e muito menos politólogo, pergunto na base do que me parece relevar do bom senso e do óbvio:mas então a consequência de as «listas aparentadas», por esta via ou truque (digo eu), incrementarem os seus lugares no Parlamento não é inevitavelmente que, para assim acontecer, só pode ser à custa do "desincremento" dos lugares no Parlamento dos outros partidos. numa clara lesão da proporcionalidade ?


Fazendo o que diversos grupos, personalidades e seus Manifestos que vêm defendendo o chamado «voto preferencial» nos candidatos de uma força concorrente nunca fizeram, o Prof. André Freire vem sustentar que este tipo de voto «só é exequível e efectivo em pequenos círculos» (neste ponto, embora sem êxito, eu já havia perguntado aos autores de um certo Manifesto se, por exemplo, num círculo como Lisboa, estavam a ver os eleitores a levarem para a cabine de voto uma dezenas de listas de candidatos cada uma com 50 nomes para depois fazerem as suas «preferências» individualizadas (o grau de literacia eleitoral não é coisa que se possa menosprezar !). Mas, nesta matéria, cabe-me perguntar ao Prof. André Freire: mas então a criação de mais pequenos círculos não conduz ela própria à redução da proporcionalidade pois, como actualmente acontece e também por força do método de Hondt, é neles que é menor o grau de proporcionalidade na conversão de votos em mandatos? (caso máximo é o distrito de Portalegre, que elege apenas 2 deputados e onde a CDU com 20% dos votos não consegue obviamente eleger nenhum).


Por fim, anoto que quase no final do seu artigo, o Prof. André Freire resolveu conceder que «quer o voto preferencial, quer o voto em círculos uninominais potenciam a personalização do mandato, a ancoragem territorial dos deputados e uma menor disciplina de voto no Parlamento (logo, maior "estima" dos eleitores pelos deputados)». Ora aqui cabe-me dizer, pela enésima vez e sem punhos de renda: se, num eventual, hipotético ou futuro círculo uninominal na minha área de residência, o candidato da CDU não for eleito ( e dificilmente será), eu não quero nenhuma proximidade com o deputado aí eleito pelo PS ou pelo PSD nem por ele passarei a ter qualquer «estima».

12 comentários:

  1. Camarada, no distrito de Portalegre apenas são eleitos dois deputados, o que torna a questão da representatividade-proporcionalidade ainda mais gravosa e, consequentemente, menos democrática.

    Francisco Dias Ferreira

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  2. Pelo deputado do PS acredito que não tenha qualquer estima, mas pelo do PSD, e pelo que eu tenho visto, nunca se sabe...!

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  3. Gostei do post. A proporcionalidade pura (democracia plena) só acontece em lista única nacional. E, neste caso poder-se-ia diminuir o nº de deputados sem distorções.

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    1. Há uma pequena coisinha de que os que querem diminuir o número de deputados se esquecem sempre. É que também há comissões e num grupo parlamentar a baixo de determinado número de deputados, o trabalho dedicado às comissões só pode dar em anedota. Vão para lá fazer número.

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    2. Diz bem, prezado leitor: isso mesmo tinha já sido salientado aqui em http://otempodascerejas2.blogspot.pt/2012/10/no-5-de-outubro.html da seguinte forma:«- a segunda é que, abaixo de um certo patamar, é muito difícil aos partidos mais pequenos assegurarem plena e eficazmente o seu conjunto de responsabilidades a nível parlamentar, o que corresponde a reforçar a dominação da vida parlamentar pelo PSD e pelo PS;»

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  4. Sejamos claros. O problema é: ou escolher o meu partido, ou escolher o meu deputado, o meu representante.

    No universo de 9,6 milhões de potenciais eleitores, nas últimas legislativas votaram 5,5 milhões. Abestenção 5,0 milhões de eleitores. Significativo.

    Dos 5,5 milhões que votaram a nível nacional, PSD + CDS + PS em Lisboa, tiveram 0,88 milhões de votantes !!!.
    Ou seja só 1/5, um quinto, dos votos nacionais expressos!.
    Este 3 partidos "lisboetas" são, de facto, uma clara, óbvia, minoria ...
    .
    Com genuínos deputados regionais, tudo mudaria.
    Os representantes das periferias poderiam unir-se e negociar os seus interesses entre eles. Fora de um abusivo poder partidário centralizado que facilmente venceriam em qualquer votação.

    Redução, trabalho(!) nas comissões ... é só conversa para despistar.
    Só uma minoria que beneficia directamente, os quadros, dos partidos é que está interessado na sobrevivência dos seus partidos, pequenos ou grandes.

    Para a grande maioria dos eleitores o "seu" representante, o seu deputado é que interessaria. Infelizmente foram mal educados, politicamente.
    Acham que ganham quando o seu PS ou PSD ganha ... Já se viu que não.
    E esta auto-assumida-pseudo-elite não vai largar os seus interesses.
    A história será severa no julagmento. Mas como estão com o papinho cheio... JS.

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    1. Um adepto do caciquismo e do queijo limiano, vê-se pelo raciocínio despistado,

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    2. Ora, cá estamos então todos perfeitamente elucidados pela peerspicácia do JS. O Povo é burro, o Povo é analfabeto, o Povo deixa-se enganar, o Povo está-se marimbando.

      Mas JS tem a solução. Ele interpretou e viu a genuinidade e sabe perfeitamente como ela traz a mudança. Nem estou bem a ver para que servirão as eleições, Se é tudo tão simples e está tudo tão pensado e concluído.

      Somos todos uns cretinos que não vimos e luz neste JS distante.

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  5. Claro QED. Há quem esteja muito bem acomodado com o "bom" caciquismo da Lapa e o "ainda melhor" Limiano do Rato.
    Saudações, JS.

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  6. Dizer QED é de facto uma grande demonstração da ideia. Queria era que explicasse como é que os deputados regionais iam fugir ao «"bom" caciquismo da Lapa e o "ainda melhor" Limiano do Rato".»

    Mas devo ser eu que nunca li Vésperas do Leviathan e coisas do género e não percebi como funciona uma República de repúblicas nesse proposto regresso ao Antigo Regime representativo dominado pelos oligarcas do lugar.

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  7. An. 27/Set 21:56. Tem a certeza que o nome dos candidatos no boletim de voto é "Antigo Regime representativo dominado pelos oligarcas do lugar"?. JS

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